Capa de revista, Sophie Charlotte fala sobre seus novos trabalhos, casamento e filho
É ela a Capa da Marie Claire de Setembro! Primeira de dois filhos de uma bióloga alemã e um beauty designer paraense, Sophie Charlotte nasceu em Hamburgo, na Alemanha. Viveu ali até os 8 anos, quando a família se mudou para Niterói. Aos 10, voltou ao país natal de férias com a avó materna, Maria, numa viagem que começava por Zurique, na Suíça. Do aeroporto, pegariam o ônibus elétrico, que faria duas paradas. A primeira em um lago que a avó queria que ela conhecesse, depois, no vilarejo onde a irmã da matriarca morava.
Enquanto Maria pedia informações no veículo, a neta cuidava de sua mala e das cinco bolsas de mão que sua companheira de viagem carregava. Até que, sentada em um banco do terminal, avistou Maria acomodando-se em um assento dentro do ônibus, enquanto a porta se fechava à sua frente. Desesperada, correu em direção ao grande botão amarelo de metal com duas setas, a essa altura quase vermelho, e o socou com toda sua força, aos gritos. Já fora do ponto, o motorista se assustou e parou. “Achei que você estava vindo atrás de mim”, disse Maria quando viu a expressão de incredulidade da neta. As duas voltaram, pegaram a bagagem e embarcaram.
“Me dá os endereços, telefones, meu passaporte e minha passagem de volta. Agora quem vai andar com isso sou eu.” Não teve briga, mas Sophie estava em estado de choque. Naquele momento, ainda tão jovem, entendeu a importância de cuidar de si. “Percebi que tinha que estar atenta porque essa vida era a minha vida”, diz. A viagem seguiu com a criança cuidando de todo o itinerário, horários, documentos. Quando voltou, era outra pessoa. Até na escola sua maturidade foi notada. Havia passado pelo primeiro despertar, que a separaria da infância anos depois. “Não foi algo que encerrasse um ciclo, mas um acontecimento que me formou, como muitos outros que tive pela frente.”
Um deles foi na primeira vez que prestou vestibular. “Fiz um plano internamente. Após a escola, faria faculdade de artes cênicas na UniRio [Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro]. Se dois anos depois de formada não rolasse nada, partiria para outra”, lembra. A alternativa poderia ser história, letras ou algum curso completamente diferente. Mas Sophie já havia passado pela parte mais difícil – a prova classificatória para o teste prático. Química, física, matemática, geografia... Nada disso era problema para ela. Na fase seguinte, precisava apenas apresentar uma cena para ter seu talento verificado. Desde a metade do ano, fazia uma pequena participação na novela Páginas da Vida, de Manoel Carlos, e frequentava a Oficina de Atores da TV Globo.
Quando foi pegar o resultado, porém, a surpresa: seu nome não constava entre os aprovados. Arrasada, adiou o sonho para o ano seguinte, mas logo entrou para o elenco de Malhação, dessa vez como protagonista, para a Faculdade da Cidade (que não terminou), e não parou mais de trabalhar.
Outro acontecimento que marcou sua vida foi o encontro com o dramaturgo, ator e diretor Domingos Oliveira. Sophie ainda atuava em Malhação, e a atriz Dedina Bernardelli foi fazer uma participação na novelinha diurna. Nos bastidores, cantarolou uma música de Harry Belafonte que gostava de ouvir desde criança – pouco conhecida, principalmente por jovens de 18 anos –, e a colega a convidou para assistir ao Cabaré Filosófico, espetáculo musical dirigido por Domingos que fazia na época. “Me encantei e pedi pra cantar uma música do Kurt Weill, em alemão”, conta. Ela nunca mais se afastou da trupe. Logo depois, ganhou uma bolsa para um curso do dramaturgo de onde saiu o elenco do espetáculo Apocalipse segundo Domingos Oliveira. “Eram 53 pessoas no palco, todo mundo fazia tudo. Iluminação, assistência de direção, figurino, cenário.” A atriz Priscilla Rozenbaum, viúva de Domingos, acompanhou de perto a relação dos dois. “Ela tinha tudo que ele gostava: inteligência, beleza e prazer em aprender. Foi um encontro de gerações do mesmo nível intelectual”, conta Priscilla, que tem no computador do marido falecido uma série de declarações de amor que ele escrevia para Sophie.
O próximo passo foi entrar para o elenco de Confissões de Adolescente, a peça-fenômeno de Maria Mariana, ao lado da também novata Clarice Falcão. “A gente se conhece desde os 11 anos, do Tablado [escola de teatro no Rio], e ela até hoje é a mesma pessoa. Está sempre inteira em tudo. Num trabalho, num amor ou numa amizade”, diz Clarice. O resto é história. São 12 papéis no cinema e na televisão, entre novelas e séries, e mais uma porção de espetáculos.
AS ESCOLHAS DE SOPHIE
No meio disso tudo, Sophie teve namoros rápidos, nada muito sério. O único com jeito de compromisso, com o ator Malvino Salvador, durou três anos e meio. Até que encontrou Daniel de Oliveira no set de O Rebu, série em que formavam par romântico. Ele estava solteiro havia um ano e pouco, ela também. Em um ensaio, ela notou a timidez do colega. “Aí tem coisa”, pensou. O elenco então viajou para Buenos Aires, na Argentina, para começar as gravações. “E aquele encantamento todo, e a Patrícia Pillar, o Tony Ramos, a Camila Morgado, a Vera Holtz... Era tanta gente incrível ao mesmo tempo”, lembra. “Junta isso com vinhos argentinos, tango, e o friozinho".
O primeiro beijo aconteceu no zoológico, em frente ao espaço onde ficava a zebra. E, depois de 40 dias fora, os dois voltaram para o Brasil namorando. Na época, o apartamento dele estava em obra. “‘Bom, fica na minha casa’, eu disse. Porque no hotel ele já estava morando comigo.” Quando a reforma de Daniel acabou, o casal estava acostumado à companhia um do outro para ir cada um para o seu canto. A viagem começou em abril. Em janeiro do ano seguinte, ele a pediu em casamento, em junho-julho ela engravidou e em dezembro subiram ao altar. “Com barriguinha e tudo.”
O cenário parecia de conto de fadas – só que do jeito deles. “Era uma igrejinha de 1500 e pouco em Niterói, com uma mangueira gigante na frente”, conta. A mesma que ela frequentou durante toda a infância e a adolescência. Não para assistir à missa, o que acontecia em outro lugar, mas porque considerava aquele lugar, no começo da cidade, mágico. Quando levou o noivo para conhecer o santuário, o casal avistou no céu uma revoada de borboletas amarelas. “Nunca vi nada assim. Era borboleta, borboleta, borboleta”, conta Sophie. “É, tem que ser aqui”, disse Daniel.
A festa aconteceu nos fundos da paróquia, em uma tenda montada sobre o gramado. Na entrada, prosecco, água aromatizada e um carrinho de pipoca recebiam os 250 convidados. A decoração foi ela mesma quem fez. Com potinhos de barro, pavios e cera, criou as velas que espalhou no ambiente entre ramas verdes. Metros de linho se transformaram nos guardanapos que amarrou com alecrim. Os leques de madeira distribuídos para aplacar o calor do verão, comprou em uma ida ao Saara e deixou em uma infusão com priprioca durante um mês para ganhar o cheiro do Pará, e as lembrancinhas eram garrafinhas de vidro com cachaça de jambu. Sophie entrou na igreja ao som de um quarteto de chorinho que tocava “Carinhoso” [de João de Barro e Pixinguinha], surpresa de Daniel para a futura mulher. “Foi lindo, parecia aqueles casamentos de vilarejo!”
Otto chegou em março, em casa. Na época, o parto humanizado estava criminalizado pelo Cremerj e a obstetra não poderia acompanhá-la. Sua ideia inicial não era ter o filho ali, mas Sophie estava se sentindo tão bem, tão conectada com seu corpo e sua intuição, que se entendeu capaz de seguir daquela forma. “Eu era só uma mulher querendo parir.” Pois, na virada do dia 13 para o dia 14 de março, ela conta ter atravessado um portal “para uma nova vida chegar e para a minha recomeçar de um jeito totalmente diferente”. A fim de evitar a ansiedade alheia alimentada pela desinformação generalizada sobre o tema, além dela e do marido, apenas a mãe e a sogra sabiam do plano de Sophie.
Quando Otto completou 3 anos, o novo coronavírus se espalhou pelo mundo. E, de repente, a família, que tinha uma vida cheia de compromissos, se viu trancada em casa com Sidarta, o cachorro da raça weimaraner que Daniel deu de presente à então namorada no palco de um Domingão do Faustão, e os gatos Miles Davis e Dorival Caymmi –, além de temporadas com Raul e Moisés, seus enteados de 13 e 11 anos. Sem ajuda externa, como mandavam os protocolos da Organização Mundial da Saúde, a divisão de tarefas aconteceu naturalmente. Daniel cuidava do estúdio no térreo e da parte externa – eles moram em um sobrado na Barra de três quartos –, Sophie da alimentação, das roupas e da criança. A limpeza era meio a meio. “Nossa senhora, aqui é só menino com cueca”, brinca. Mas ela sabe que o assunto é sério. “Eu tenho o privilégio de ter pessoas cuidando da minha casa, mas muitas mulheres não têm essa opção e o trabalho doméstico delas não é visto. Falo isso abertamente porque quem não enxerga essa realidade é porque tem outra pessoa fazendo esse serviço para ela.”
Mesmo cansada, Sophie conseguiu ver o lado cheio do copo. “Foi muito importante ter um pedaço de chão, fazer uma hortinha, olhar para o céu, poder dar um mergulho e resfriar as ideias”, reflete. Até as exaustivas tarefas domésticas tiveram importância no processo. “Chegou uma hora em que eu entendi que, se tinha louça pra lavar, é porque a gente estava vivo. E tudo bem lavar.” Nesse período, encontrou nos podcasts seus grandes parceiros. “Sou assídua ouvinte do The Daily, do The New York Times, de This American Life. Praia dos Ossos, para mim, foi uma revelação. E agora estou louca com os do Grupo Galpão”, conta.
Foi na pandemia, seis meses atrás, que ela perdeu o pai, o cabeleireiro e maquiador José Mário da Silva, de 62 anos. Muito ligada a ele, Sophie ainda tem dificuldade de falar sobre o assunto. “Foi a pessoa que sonhou comigo o meu sonho”, diz. “Me incentivou a ser atriz, fazer balé, só era reticente quanto à carreira de modelo”, conta. Acostumado a cuidar da beleza de ensaios para revistas e campanhas publicitárias, sabia bem do que estava falando. “Nos anos 1980, 90, ele chegou a ver muitas meninas assediadas por fotógrafos que iam pedir socorro para ele”, conta. “A indústria da moda é maravilhosa, é importante, e eu acho que, de uns anos para cá, felizmente conseguiu se reinventar.”
Apesar de tantas passagens alheias à sua vontade, Sophie se manteve firme. Em fevereiro, voltou a gravar O Anjo de Hamburgo, série que conta a história de Aracy de Carvalho e teve que ser interrompida por causa da pandemia – ainda sem data de estreia, será exibida pela Globosat no Brasil e pela Sony no exterior. A personagem falou tanto ao coração da atriz que, quando soube do projeto, decidiu que viveria o papel central da trama – mesmo com dois filmes e uma série engatilhados. “Estava almoçando no Projac, no meio das gravações de Ilha de Ferro, e encontrei o Tony [Ramos].
Ele me contou que ia fazer esse trablho, e eu disse que era de Hamburgo”, lembra. Essa noite, depois de botar o filho para dormir, Sophie bateu a cabeça no travesseiro e voltou. Foi então pesquisar a vida de Aracy, uma mulher brasileira que, nos anos de 1930, se desquitou e foi recomeçar a vida na Alemanha com um filho de 5 anos. Lá, conseguiu um emprego no Consulado Brasileiro e usou do cargo para ajudar judeus a fugirem dos horrores da Segunda Guerra. No meio dessa jornada, apaixonou-se pelo cônsul adjunto. Os dois se casaram e, tempos mais tarde, ele virou escritor. Seu nome? João Guimarães Rosa. Para ela, dedicou Grande Sertão Veredas, uma das obras mais importantes e geniais da literatura brasileira.
Nessa busca de internet, descobriu que o projeto estava sob o comando de Jayme Monjardim. O diretor inclusive já havia pensado em uma atriz para o papel, mas a última notícia que existia na rede sobre isso era de dois anos antes. No dia seguinte, bateu na porta de Jayme e falou de seu interesse em viver a personagem. Mas falou em alemão. Ele arregalou o olho, ela implorou. “É muito forte quando isso acontece. Não é sempre que você se vê tão conectada a uma personagem, não só pela curiosidade, mas também pela sua história pessoal e pela sua ancestralidade”, explica. “Calma”, disse o diretor. Ainda tinha muita coisa para ser viabilizada até o projeto sair do papel.
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