Sophie Charlotte relembra bênção de Gal Costa para interpretá-la no cinema: 'Sem isso não conseguiria'



Os tempos estão corridos para Sophie Charlotte. A atriz, que chegou aos cinemas ontem como protagonista de “Meu nome é Gal”, vem cumprindo uma agenda agitada de divulgação do longa, que incluiu pré-estreias em Salvador, Recife, Belo Horizonte, Rio e São Paulo, além de entrevistas e participações em programas de TV. Na manhã seguinte à première do longa no Festival do Rio, no último sábado no Cine Odeon, em sessão emocionante, marcando quase um ano da morte de Gal Costa, a atriz já estava no Santos Dumont para embarcar para a capital paulistana. E foi no meio da correria, em pleno aeroporto, que a atriz sentou com o jornal O GLOBO para falar sobre o projeto que considera “o filme de sua vida”.


“Meu nome é Gal”, de Dandara Ferreira e Lô Politi, retrata o período do desabrochar de Gal, nos anos 1960, quando a cantora deixa a Bahia a caminho do Rio, onde reencontra Caetano VelosoGilberto Gil e Maria Bethânia. Juntos, transformam a música brasileira e promovem a liberdade em um período de repressão.


— Foi um convite irresistível. A Dandara e a Lô me convidaram e eu falei um “sim” imediatamente. Só depois que fui pensar nas consequências dessa responsabilidade com relação a Gal e a tudo que ela representa na cultura brasileira — diz a atriz de 34 anos, que está há cinco anos envolvida na produção.


ROBERTO CARLOS


Em 2014, a atriz cantou “Sua estupidez”, música de Roberto Carlos imortalizada por Gal, em cena da novela “O rebu”. No ano seguinte, foi chamada por Roberto para dividir o palco em seu especial de fim de ano, quando foi apresentada pelo Rei como “uma alemãzinha brasileiríssima de nome francês”. A apresentação foi vista por Gal Costa (1945-2022), que não só deu o aval para a escolha de Sophie, como disse para Dandara que a atriz tem um timbre de voz parecido com o dela.

— É surreal pensar nisso. Um sonho absoluto. Foi muito lindo ter essa benção e essa permissão para viver essa aventura. Sem isso, acho que não conseguiria, porque respeito muito a Gal, queria que ela ficasse feliz. Isso foi o norte do filme — conta Sophie, que conheceu a cantora ao longo do processo. — Estar na presença dela era sempre luminoso, ela sempre me tratou com muito carinho.

Tímida e discreta como a cantora que interpreta, Sophie conta que a experiência no longa ajudou com que se sentisse mais solta cantando, embora não tenha pretensões de trocar de profissão. Ela brinca que agora se sente mais confortável para apresentar ao público algo que já faz no chuveiro de casa, ou seja, soltar a voz.

Além do trabalho para o longa, a atriz pôde conviver com Gal brevemente durante um projeto musical de seu marido, o ator Daniel de Oliveira. A cantora gravou uma música do ator, ainda inédita.

— Tive a oportunidade de ver o processo dela num estúdio. Ela pegou a música na hora, não ficou estudando. Ela escutou, entrou no estúdio e fez um vocalize que era uma conexão musical tão absoluta com uma coisa divina que fiquei impressionada — lembra ela.

Casada há nove anos com Daniel, com quem tem o filho Otto, de 7 anos, Sophie aproveitou o passado do marido com cinebiografias para pedir dicas. O ator de 46 anos foi o protagonista de “Cazuza — O tempo não para” (2004).

— Foi muito importante essa troca com o Daniel, saber do processo dele e ter alguém do lado que entendia os meus medos — conta. — Eu tinha 14 anos quando assisti (“Cazuza”) e me marcou muito. Comecei a ouvir Cazuza a partir do filme. Agora, fico pensando se alguém vai se interessar por Gal a partir do meu trabalho, seria lindo.

Filha do cabeleireiro paraense José Mário da Silva e da bióloga alemã Renate Elisabeth Charlotte Wolf, Sophie viveu em Hamburgo, na Alemanha, até os 8 anos, quando se mudou para o Brasil. Ela conta que o Brasil se fazia presente através da música de nomes como Gal, Caetano, Gil, Chico, Bethânia e Milton.

— Para mim, eles são os super-heróis que temos. Dava para fazer uma franquia com um filme de cada um. São histórias tão ricas e incríveis — diz. — Nosso filme é sobre Gal, mas também sobre essa geração do tropicalismo, com jovens artistas que imprimiram uma marca da liberdade e da alegria em um momento político duro.

A atriz dedica o novo trabalho ao pai, que não chegou a ver o filme pronto, mas ficou extremamente feliz ao saber que a filha interpretaria Gal Costa. Sophie sorri ao lembrar que ele, morto em janeiro de 2021, chegou a comprar para ela vários discos.

Hoje, ela tenta reproduzir com o pequeno Otto a “educação através da arte e da cultura” que recebeu os pais.

— Meu imaginário foi criado a partir do meu pai e da minha mãe e do encantamento deles pela arte. Eles me apresentaram a filmes clássicos e a músicos que até hoje fazem parte da minha playlist — aponta. — Vim dirigindo com o Otto e ele ama “Tô”, do Tom Zé. Ele ficou muito tempo fissurado com “Barato total”, mas hoje fala que a música favorita da Gal dele é “Atenção”, que é “Divino maravilhoso” (risos).


Os próximos meses seguirão movimentados para a atriz. No dia 26 , ela chega aos cinemas com “O assassino”, filme de David Fincher estrelado por Michael Fassbender para a Netflix (estreia 10 de novembro no streaming). Em novembro, ela embarca para o Sul, aonde irá rodar “Virgínia e Adelaide”, novo filme de Jorge Furtado e Yasmin Thainá. No mês seguinte, começa a atuar na refilmagem de “Renascer”.


— Parece que eu estou numa festa de aniversário de semanas, numa alegria total. Tenho um privilégio de trabalhar com o que eu amo. O contorno entre “estou trabalhando” versus “estou descansando” se mistura muito. Nos últimos anos, quando estava descansando, eu também pesquisava e ouvia Gal — conta a atriz, feliz pelas oportunidades de trabalhar no exterior. — Me interessa continuar trabalhando fora, mas não em detrimento de qualquer coisa. Amo o cinema brasileiro e amo trabalhar em novelas.

Fonte: O Globo - Lucas Salgado
Foto: Bob Wolfenson

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