Sophie Charlotte revela ter sentido medo para teste como Anaíra no filme "O Rio do desejo". Leia a entrevista
Cine Set – De que forma gravar em Itacoatiara, passar pelas regiões por onde estiveram contribuiu para o trabalho de vocês? Como foi a recepção na cidade?
Sophie Charlotte – Itacoatiara foi muita receptiva com o filme, abraçando todos nós. A população está e faz parte do filme pela nossa vivência e convivência com os hábitos e dia-a-dia da cidade. A rotina é muito diferente: perto do meio-dia, esquenta muito e todo mundo se recolhe. Depois do almoço, a circulação volta ao normal. No primeiro dia, não entendi nada e perguntava: “onde estão as pessoas?”.
Eu andava muito pelos mercados. O Otto (filho de Sophie com Daniel Oliveira) também estava junto e até hoje fala do suco de taperebá e dos peixes que comia. Ele se tornou o mascotinho da equipe. Tivemos o tempo para entender o ritmo do local, observando ainda as cores e as comidas, as quais vão nos compondo, reconstruindo e trazendo novas possibilidades.
Lembro do rio passando o dia inteiro na nossa frente, das pessoas convivendo com as embarcações, indo para os igarapés… Foi maravilhoso, uma aventura deliciosa. É um daqueles convites de se ter uma vivência brasileira, amazônica e poder mostrar ao mundo estas belezas do Norte do nosso país. Guardo tudo com muito carinho.
Como o Sérgio falou, pude ser trainee por um dia em diversas áreas: bati claquete, corri, fui atrás de locação. Foram muitas as aventuras. Só agradeço e ver chegar aos cinemas é divino porque “O Rio do Desejo” ser lançado é fruto de muita resistência. Agora, precisamos celebrar tudo o que resistimos e reconstruir o nosso potente cinema brasileiro.
Cine Set – Pergunta clássica: como surgiu o convite para o filme e o que te atraiu nele, Sophie?
Sophie Charlotte – Foi arrebatador, mas, admito que tive um receio inicial. Quando chegou a proposta para o teste da Anaíra pediram uma self-tape, mas, não consegui fazer. Sinceramente, não sei o que me deu. Cheguei até a falar com o Bruno Gagliasso, o qual estava inicialmente previsto para fazer o filme, dizendo: ‘que coisa estranha, parece que estou com medo’. Foi quando ele me disse que eu tinha de fazer justamente por isso.
No dia seguinte, perguntei para a minha empresária Ana Luiza se ainda era possível enviar o material. Ela me disse que o Sérgio estava indo para o Rio e falou para encontrá-lo para o teste. Foi maravilhoso ter sido assim em vez de virtual. Sentamos, tomamos um café, conversamos e, depois, fiz o teste com o Jorge Paz (ator do elenco do filme). Deu tudo certo.
Depois disso, o Sérgio avisou que ainda haveria uma pré-preparação com a Fátima Toledo para entender como trabalharíamos os personagens. Fomos todos para São Paulo e esta etapa acabou sendo bastante enriquecedora e fundamental para “O Rio do Desejo” por ter sido uma condução física, potente, com muito suor e lágrimas, mas, ao mesmo tempo, amorosa.
Neste processo, a Fátima nem piscava de tão atenta, o que é algo reconfortante, pois, precisamos atravessar zonas muito novas, inesperadas e difíceis na busca de um personagem. Ali, me ajudou a ter a base desta forte ligação da Anaíra com a natureza, aquela terra e a potência feminina. Devo muito a “O Rio do Desejo” e a esta preparação muitas descobertas e um amadurecimento grande como artista.
Cine Set – Como você analisa que a sombra da matriarca que vai embora com uma pessoa e deixa a família afeta a Anaíra? Quais pressões joga sobre ela?
Sophie Charlotte – A casa da família é como se estivesse morta e assombrada pelo abandono, amargura, dor e segredos provocados por esta partida. A Anaíra chega para abrir as janelas e trazer a luz de uma vida tão pulsante a ponto de assustar quem está lá dentro.
Tinha uma frase que o Sérgio sempre nos falava e ficava na minha memória: “a única lei que você não pode trair é a lei do desejo”. E justamente quando o Dalmo (Rômulo Braga) trava o próprio desejo que a tragédia se estabelece.
Para mim, “O Rio do Desejo” é uma tragédia amazônica com ligações muito próximas dos parâmetros gregos do que é trágico com elementos irreversíveis e imponderáveis do encontro destas pessoas, além das paixões estabelecidas naquela realidade. Neste sentido, a figura do feminino muito forte entrando avassalador neste local sufocante torna insustentável a manutenção do sistema vivido pelos três irmãos até então.
Assim, a revolução acontece, infelizmente, ainda trágica, mas, como parte de um processo de cura.
Sérgio Machado (diretor): Eu noto as pessoas impressionadas com a Anaíra. Canso de ouvir as pessoas achando incrível a descoberta que teríamos feito da intérprete da protagonista. Acho curioso como o público de fora e daqui do Brasil não reconhece a Sophie, confundindo-a com uma cabocla amazonense, entre elas, a Sandra Kogut (diretora de “Três Verões”). Considero isso um grande elogio.
Sophie Charlotte – Acho que isso ocorre pela minha ancestralidade paraense. Fui criada com muito açaí, pato no tucupi, conhecendo todos os peixes da região. Não sou manauara, mas, tenho um respeito e admiração muito afetiva com o sotaque que, para mim, é muito instigante e específico, longe de ser fácil.
Ocorrer este tipo de confusão de acharem que eu seja nortista é um grande elogio, pois, sou uma fã de todas as mulheres fortes e guerreiras do Norte do Brasil. Espero que elas gostem do filme também.
Cine Set – Durante o período em Itacoatiara, vocês fizeram uma sessão para equipe de “Bacurau”, filme que tinha acabado de ser lançado e estava virando um fenômeno. Como foi a exibição? E o que representou para equipe exibir o filme no meio das gravações?
Sophie Charlotte – Eu lembro de chegar em Itacoatiara e saber que existia um cinema (Cine Theatro Dib Barbosa). Recordo ainda de ter levado o Otto para assistir “O Rei Leão”. Enquanto a gente filmava, alguém da equipe tinha o contato do pessoal do “Bacurau” e achamos que seria demais assistirmos ao filme juntos. Entraram em contato e conseguiram uma cópia. Foi uma experiência importante estarmos todos ali para ver aquele obra que também era uma resistência àquele momento.
Depois, o antigo proprietário nos convidou para subir na sala de projeção e tinha vários rolos de filmes. Ele me presentou com um deles, o qual eu guardo na sala de casa. Depois, com muita tristeza, infelizmente, soube que o cinema fechou. Fiquei arrasada.
Cine Set – Qual a expectativa para a sessão especial de pré-estreia no Teatro Amazonas?
Sophie Charlotte – O último corte que vi não tinha ainda a trilha sonora. Verei a versão final no Teatro Amazonas. Estou muito ansiosa por este momento. Sou muito grata a todo povo amazonense e de Itacoatiara. Espero que eles se sintam pertencentes ao filme.
Já me falaram três vezes que será no salão e palco principal e ainda não consigo acreditar. Eu sou apaixonada pelo Teatro Amazonas, um local simplesmente lindo. Fico pensando em qual vestidão de gala vou usar para esse evento, pois, é um teatro muito emblemático da nossa história. Será emocionante. Não vejo a hora.
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